O Atlas da Violência 2018, divulgado em 05 de junho pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra que o Brasil atingiu o número de 62.517 homicídios em 2016. Trata-se, lamentavelmente, de um recorde histórico. O número de 62.517 assassinatos num ano coloca o Brasil em um patamar 30 vezes maior do que o da Europa. Só na última década, 553 mil brasileiros perderam a vida por morte violenta. Ou seja, um total de 153 mortes por dia.
Os homicídios, segundo o Ipea, equivalem à queda de um Boieng 737 lotado diariamente. Representam quase 10% do total das mortes no país.
Outro dado do relatório informa que as vítimas de homicídio são, na maioria dos casos, homens jovens. Em 2016, cerca de 56% do total de homicídios no país tiveram com alvo homens de 15 a 19 anos. No geral, houve aumento na quantidade de jovens assassinados, em 2016, em vinte estados, com destaque para Acre, com alta de 84,8% e Amapá, com 41,2%.
De 1980 até 2016, quase um milhão de brasileiros perdeu a vida por conta de armas de fogo. As 910 mil pessoas mortas por perfuração causada por disparos são, segundo o Atlas da Violência, vítimas de uma questão “central” do país. Com um total de 71,1% de homicídios cometidos com uso de armas de fogo (taxa que cresceu por décadas até 2003, ano da criação do estatuto do desarmamento), o Brasil deixou de ocupar um patamar próximo ao dos vizinhos Chile (37,3%) e Uruguai (46,5%) e hoje se aproxima à El Salvador (76,9%) e Honduras (83,4%). Na Europa, a média é 19,3%.
O relatório ainda revela as consequências do racismo. Em 2016, a taxa de homicídios de negros foi duas vezes e meia superior à de não negros (16,0% contra 40,2%). Em um período de uma década, entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios de negros cresceu 23,1%. No mesmo período, a taxa entre os não negros teve uma redução de 6,8%.
O documento destaca, ainda, que em 2016, 4.645 mulheres foram assassinadas no país, o que representa uma taxa de 4,5 homicídios para cada 100 mil brasileiras. O aumento nos últimos 10 anos foi de 6,4%. Além disso, associando o racismo ao feminicídio, percebe-se que a taxa de homicídios de mulheres negras foi 71% superior à de mulheres não negras.
Outro dado alarmante: as crianças são as maiores vítimas de estupro no Brasil. O estudo aponta que 50,9% dos casos registrados de estupro em 2016 foram cometidos contra menores de 13 anos de idade. Além disso, em 32,1% dos casos, as vítimas foram adultos, e em 17%, adolescentes. No caso do estupro de crianças com menos de 13 anos, os conhecidos e os amigos da família são responsáveis por 30% dos crimes. Pais e padrastos vêm logo em seguida, com 12% cada.
Breve análise:
A Campanha da Fraternidade de 2018 trata do tema da “superação da violência”. Como se não bastassem a violência estrutural, a consolidar uma ordem social e política altamente desigual, injusta e autoritárias, e a violência cultural, que naturaliza múltiplas práticas violentas contra os segmentos vulneráveis, presenciamos também o aumento exponencial da violência real.
Nos últimos 30 anos, ou seja, desde o processo da redemocratização, convivemos com situações paradoxais no Brasil. Enquanto houve uma ampliação de direitos e acesso à cidadania em muitos segmentos da vida social, na área da segurança pública e justiça criminal ainda convivemos com indicadores idênticos aos estados de exceção:
o número de homicídios foi aumentando gradativamente e se transformou numa catástrofe nacional, dizimando principalmente a vida dos negros, pobres e jovens;
temos a terceira maior população prisional do mundo: cerca de 720 mil presos, sendo que quase 300 mil não têm sentença definitiva;
uma política de guerra às drogas entope as prisões de “aviõezinhos” e é leniente com os grandes traficantes e distribuidores de drogas;
uma das polícias mais violentas do mundo, sem controle externo de fato, é responsável por parte considerável dos homicídios;
uma legislação antiterrorismo (sem terrorismo no Brasil) criminaliza líderes e movimentos sociais e concede às polícias, Ministério Público e Justiça o direito sobre a vida, a morte e a liberdade do cidadão;
um sistema criminal ineficiente, moroso e elitista corrobora com a seletividade da justiça;
há péssimos indicadores de outras violências: contra a mulher, crianças, LGBT, indígenas, camponeses, etc.
O direito à segurança é um direito-síntese. Ou seja, numa sociedade altamente desigual, violenta e injusta como a nossa, o Estado somente conseguirá garantir os direitos humanos (direito à vida, saúde, educação, assistência…) se investir numa política pública de garantia do direito à segurança para todos, isonômica e indistintamente.
Para que isso ocorra é preciso, urgentemente, reformas estruturais nos sistemas de justiça e segurança pública para uma verdadeira democratização do nosso país.
Robson Sávio Reis Souza é pesquisador da área violência e da segurança pública e é membro da equipe executiva do Observatório da Evangelização.