Moisés Sbardelotto, em palestra na PUC Minas na última sexta-feira (29/09), compara a reforma digital àquela realizada por Lutero, 500 anos atrás, por perceber que essa revolução sociocultural está desencadeando uma revolução religiosa. Ele percorre a história recente para demonstrar que um Papa assinar um twitter altera por completo sua forma de presença no mundo. O twitter está em um ambiente não-religioso; não-protegido; em um contexto plural. O Papa, ao utilizá-lo, coloca-se no meio da praça pública, acessível a todos.
Essas reflexões aparecem na obra: “E o Verbo se fez rede”, fruto de seu doutoramento em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Para realizar sua pesquisa, Sbardelotto transitou pelos corredores do Vaticano, entrevistou membros do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, teve acesso a diversos setores da Santa Sé. Tendo já se debruçado sobre a forma como a religiosidade católica aparece nos portais, aqui, o autor busca compreender o percurso de inclusão digital dos pontífices Bento XVI e Francisco.
Foi em 2011, quando a imagem da Igreja aparecia arrasada na grande mídia, devido às muitas denúncias de pedofilia do clero, que Bento XVI, na tentativa de melhorar a imagem do Vaticano, envia o primeiro tweet. Com dificuldade diante dos meios eletrônicos, o Papa não sabe o que fazer, onde clicar, e tudo isso é documentado, comprovando um imenso choque de mentalidades e culturas. Ao abrir o portal news.va o papa é protagonista de toda uma liturgia que se repetirá em 2012 quando, ao assinar de próprio punho o twitter, tentará mostrar que a tradição busca se aproximar de novas linguagens.
Três meses antes de sua renúncia, na qual explicita que a igreja precisa de um novo pontífice que dialogue com um mundo sujeito a rápidas mudanças, Bento XVI aponta para uma transição para novas linguagens e novas formas de tradução da tradição.
O Papa Francisco se confronta com essa realidade ao assumir dar continuidade a isso. Não só utiliza o twitter, como há um aplicativo com suas mensagens e está no Instagram. Lança todos os meses um “vídeo do Papa” e, com esse formato de interação vai construindo nova teia social de sentidos sobre a fé católica, no mundo midiático. Esse trabalho de reconstrução do catolicismo utilizando-se de símbolos vinculados a outros símbolos, recriações discursivas do encontro, por exemplo, entre o protocolo do Papa com o protocolo do twitter, gera contratos de leitura próprios. O Papa, autoridade máxima, traduzir o catolicismo para a mídia digital provoca uma suprainstitucionalidade católica, presente numa rede social.
A partir de então, grupos católicos diversos ganham legitimidade para se posicionar na mídia, o que provoca crescimento do embate entre grupos opostos, negando construções de sentido contrárias à própria. Assim o dado “religioso” explode em múltiplas racionalidades locais e a existência social do catolicismo vai se tornando cada vez mais o resultado da interação comunicacional enquanto reconstruído, ressignificado, pois não pode ser possuído, apropriado pela Igreja. É construído como im-próprio pelas comunidades eclesiais digitais. Assim se dá o sensus fidelis digitalis, a voz viva do Povo de Deus em rede.
Professora Tânia Jordão