Sobre a importante entrevista do teólogo César Kuzma na abertura do Ano Nacional do Laicato
Uma entrevista especial com o teólogo César Kuzma na abertura do Ano Nacional do Laicato instituído pela CNBB, que foi aberto no domingo (25/11/2017), na solenidade de Cristo Rei que marca no novo Ano Litúrgico da Igreja Católica (no ciclo trienal litúrgico dos católicos, começa agora do Ano B, centralizado pela leitura do Evangelho de Marcos na Liturgia da Palavra dominical).
César Kuzma é dos mais expressivos teólogos católicos brasileiros da novíssima geração. Com 41 anos de idade, é doutor em Teologia pela PUC-Rio, onde é professor e pesquisador, e presidente da SOTER (Sociedade de Teologia e Ciências da Religião). Assessor da Comissão do Laicato da CNBB e do Departamento de Vocações e Ministérios do Conselho Episcopal da América Latina (CELAM). Autor, entre outros, de O futuro de Deus na missão da esperança: uma aproximação escatológica (2014), um estudo sobre a obra do “teólogo da esperança”, o protestante Jürgen Moltmann, e Leigos e Leigas –força e esperança da Igreja no mundo (2009).
Na entrevista, ele foi contundente e realista:
“os leigos devem se afastar deste modelo estrutural e buscar novos caminhos, novas maneiras de viver a fé, dentro do chamado que é próprio da sua vocação, que é o mundo secular e as grandes causas da humanidade. Aqui está a vocação e a missão dos leigos! Ali devem ser sal e luz. Sujeitos da história. É onde os leigos, como Igreja que são, podem oferecer o seu testemunho e o seu serviço concreto. Observo que as ações de Francisco também vão por aí.”
Mostrou-se profundamente alinhado com o papa Francisco, quando afirma que
“o clericalismo é uma doença que impede a Igreja de ser serviço e, com isso, inibe as demais vocações, sobretudo os leigos, de assumirem o seu papel, a sua missão dentro do corpo eclesial, e também na sociedade. O clericalismo traz e vive de uma imagem de Igreja que se quer garantir por si mesma, sem abertura ao novo e que busca sempre o poder, que quer estar acima, que vive ‘à parte’ e agarra-se nas estruturas, na dureza das tradições, no enrijecimento da doutrina, na dominação de uma letra sem espírito e num autoritarismo eclesiástico/hierárquico doente.”
No momento em que Francisco abre a Igreja, os resultados dos anos de domínio conservador estão à vista:
“o clero mais jovem, que se satisfaz em formalismos, panos e paramentos riquíssimos (até medievais) e em ritos antigos, carregados na rigidez, ou camuflados de aspectos modernos, em alguns casos, mas muito distante da simplicidade do Evangelho, o que é lamentável. Seja pela linguagem ou pela vestimenta, cria-se uma estrutura que decide por caminhar separada do mundo, distante dos problemas e com a sustentação de um ar superior.”
Segundo César Kuzma, pode-se constatar que a Igreja, infelizmente, continua impermeável aos leigos:
“Em uma carta ao Cardeal Marc Ouellet, em 2016, o papa Francisco recorda que desde o Concílio se falou muito sobre a ‘hora dos leigos’, mas para o Papa esta hora está tardando a chegar. Para Francisco, e aqui nós nos somamos a ele, as causas são várias, mas a passividade tem sim certa culpa do próprio laicato, é um fato, mas também das estruturas, que não formam e não permitem um espaço favorável, onde leigos e leigas possam exercer criticamente e com maturidade a sua vocação.”
O caminho, aponta o teólogo, é retomar a originalidade do cristianismo:
“Se na resposta da Igreja antiga precisou se falar que não há escravos ou livres, homens ou mulheres, mas todos são um em Cristo Jesus, deveríamos trazer esta máxima para hoje, como uma definição basilar, para que não haja mais clero ou leigos, mas para que todos possamos ser uma só coisa nele.”
Superar a contradição profunda que ainda persiste entre o laicato e a estrutura:
“como é ser leigo, sujeito eclesial, numa Igreja clericalizada? Impossível! É necessário romper isso!”
Para Kuzma, muitos processos posteriores ao Vaticano II e Medellín tentaram frear e revogar a abertura aos leigos:
“passaram-se dez anos da última assembleia do CELAM e pouco se fez ou se avançou na linha de Aparecida. Por exemplo: o que significa ser discípulo missionário, hoje? Será que há alguma mudança?… Por certo que não. Raras exceções. Continuamos com as mesmas estruturas e linhas de ação, seguimos com os mesmos planos e projetos pastorais, a mesma insistência na formação clerical dos nossos seminaristas e na pouca valorização da formação laical (…).”
Consequente com a reflexão desenvolvida, foi taxativo:
“Sem a ação dos leigos não há uma ação de Igreja em saída.”
Você poderá ler na íntegra da longa e densa entrevista de César Kuzma concedida ao Caminho Pra Casa, a Mauro Lopes e ao padre Luís Miguel Modino, pároco na Diocese de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Para isso, clique aqui. E nos próximos dias, a fim de alimentar a reflexão para o Ano Nacional do Laicato, publicaremos no Observatório da Evangelização esta entrevista, em duas partes.
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