Ao terminar o Simpósio: a virada de Francisco: possibilidades e limites para o futuro da Igreja no mundo contemporâneo, a pergunta que naturalmente floresce é esta: e agora? Toda experiência marca profundamente aquele que se deixa por ela ser afetado, impactado e, consequentemente, transformado. A verdade é que não saímos os mesmos como entramos ao passar por qualquer que seja a experiência. Isto se aplica também à experiência que fiz nesse simpósio e que gostaria de compartilhá-la de forma muito sucinta.
Chamou-me a atenção a proposta do simpósio: a virada de Francisco. Ao acolhermos todos os conferencistas que contribuíram com suas reflexões explicitando de forma eloquente e profunda as razões que marcam uma virada de Francisco, não temos dúvidas que de fato estamos diante de um reformador e que suas indicações à Igreja nascem de sua experiência pessoal através das várias etapas de sua vida que , aos poucos, foram dando contorno e iluminam seu agir profético à frente da Igreja em nossos dias. Ao serem tomados muitos de seus escritos, exortações, homilias, documentos, alocuções pelos conferencistas, percebe-se , nas entrelinhas e de forma explicita, a “encarnação” em Francisco do espírito do Vaticano II, isto é, de uma Igreja que em estando não mundo precisa renovar sua consciência de ser chamada a assumir, enquanto razão de ser, sua missão de anunciar a Boa Nova de Cristo. Anúncio este que precisa de outra linguagem, de um outro modo e atitudes caracterizados sobretudo pela proximidade, presença, alegria, misericórdia, ternura e respeito à cada pessoa. Uma Igreja menos formal e mais humana, menos dogmática e mais compreensiva, acolhedora de todos e para com todos. As várias chaves de leituras indicadas pelos conferencistas nos fizeram identificar um fio condutor que perpassa as escritas de Francisco e que define seu coração de pastor. O que ele fala é o que ele vive, o que ele faz. Aqui está um grande exemplo para a Igreja chamada a estar no mundo como aquela que dá testemunho do Evangelho identificada com seu Mestre e Pastor. No que se refere aos documentos, encíclicas e exortações trabalhadas pelos conferencistas, não se tem dúvida, não se pode dizer que se desconhece que não se sabe qual espírito que norteia o coração, o falar e o agir de Francisco. Isto para que ninguém, na tentativa de esquivar-se e de não comprometer-se, possa justificar-se e até mesmo posicionar-se com indiferença a Francisco e às suas indicações à Igreja em nosso tempo. Que está clara a virada de Francisco através do seu falar e agir, não se tem dúvida, mas que ainda predomina um modo de pensar a e na Igreja no mundo através de práticas que contradizem o espirito da reforma de Francisco, não temos dúvida. Mesmo assim, não se pode perder a esperança. Caminhar sempre é preciso e sempre movidos pela fé, esperança e amor enquanto primazia tantas vezes destacada por Francisco.
Outro ponto muito evidenciado e destacado, a partir da produção teórica de Francisco em seus escritos trabalhados pelos conferencistas, diz respeito ao laicato. A reforma de Francisco passa pela ação dos leigos, pelo despertar da consciência dos discípulos missionários enquanto inseridos no mundo como fermento na massa. O despertar desses para a sua ação no mundo precisa incansavelmente do incentivo da Igreja. Ainda nosso jeito de pensar, nossos paradigmas insistem num modelo que não atende mais e que reforçam o binômio clero/leigos. O predomínio da mentalidade clerical atrasa muito o processo de uma Igreja toda servidora no coração do mundo chamada a comprometer-se com a evangelização. Frequentemente, logo após as colocações dos conferencistas, os participantes expressavam suas angústias em ainda não sentirem o apoio e as “bênçãos” da Igreja nas muitas iniciativas por parte dos leigos. Notavelmente, ainda não nos damos conta que em tudo esperamos que a Igreja aprove, tome a iniciativa e autorize. Ainda precisamos dar passos na consciência de que, como discípulos missionários não podemos esperar tudo da instituição que, por sua vez, é sempre lenta, mas precisamos estar na fronteira e ousar, ousar sempre mais até para além do que habitualmente e como fazemos.
De muitos modos nos sentimos interpelados nesse simpósio a corajosamente e decididamente avançar trilhando o caminho indicado pelo coração missionário de Francisco. Mesmo assim, ainda nos entristece saber e identificar que as resistências no vaticano, nas conferências episcopais, e, não poderia ser diferente na América Latina quando se vive certa estagnação da Igreja ao consideramos os passos dados, que muitos ainda não comungam com o coração de Francisco expresso em seus escritos e consagrado em suas atitudes. Dai a pergunta: até que ponto será “virada” mesmo quando esbarramos ainda com muitas burocracias, com preocupações apequenadas em relação à centralidade da missão, com os critérios estabelecidos nas casas de formação, com práticas extremamente autoritárias, com o estabelecimento de prioridades que não expressam a dimensão pastoral…
Enfim, não podemos deixar de acreditar que o Espírito de Deus atua na história, na Igreja, em cada um de nós. Ter participado deste simpósio foi uma oportunidade de aprofundar o Kairós de Deus nesse tempo que vive a Igreja. Mesmo que demore, é preciso acreditar que as sementes lançadas nesta oportunidade serão multiplicadas a partir de cada um de nós. Renovada seja nossa presença eclesial a partir da centralidade de Jesus Cristo nesse tempo de Francisco mediante a conversão pessoal de cada um de nós. As possibilidades do novo de Deus através de sua Igreja são muitas. Verdade também é que os limites existem e se explicam pelas estreitezas, reduções, complexidades das pessoas e estruturas, pelo medo, pela falta de coragem, pelos paradigmas ultrapassados, pelo peso cultural, enfim, quando verdadeiramente o coração não está aberto e disposto a libertar-se de todas as amarras pessoais e que, por conseguinte, são também estruturais.
Por: Padre Joel Maria dos Santos
Vigário Episcopal para a Ação Pastoral da Arquidiocese de Belo Horizonte
Membro da Equipe Executiva do Observatório da Evangelização