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Leigos com mentalidade religiosa cristã predominantemente sociopolitizada e ecológica

Caracterização do perfil

Quando fazemos memória da caminhada das Igrejas cristãs da América Latina, sobretudo nos últimos 50 anos, percebemos acontecimentos profundamente marcantes em relação às implicações sociopolíticas da fé. Há enorme quantidade de sangue derramado em defesa da prática da justiça, do respeito aos direitos humanos, da democracia e da paz. O sangue derramado por inúmeros mártires – leigos, religiosos, presbíteros e bispos – como no início do Cristianismo, atesta a fidelidade evangélica de quem se torna semente de novos cristãos.[1] A título de exemplo, podemos nos lembrar de alguns nomes, dentre tantos outros: Adelaide Molinari, Camilo Torres, Carlos Mujica, Chico Mendes, Cleusa, Dorothy, Dom Enrique Angeleli, Ezequiel Ramin, Francisco Soares, Gabriel Mayre, Ita Ford, Jean Marie Donavan, João Bosco Burnier, Josimo, Lindalva, Margarida Maria, Dom Oscar Romero, Raimundo Ferreira, Rutilio Grande, Santo Dias, Tito de Alencar, Vicente Canã, Vladimir Hersog. Todos assassinados por ousarem, como Jesus, denunciar injustiças, opressões, corrupções, violências e, sobretudo, defender a dignidade da vida, em nome da fé.

Em 1952, nasce a Conferência Episcopal dos Bispos do Brasil (CNBB), hoje a maior conferência episcopal do mundo, sob influência de Dom Helder Câmara, para organizar, cuidar e explicitar, sobretudo, a dimensão e as implicações sociopolíticas da fé cristã. Cresce paulatinamente na consciência eclesial a necessidade de organizar projetos de evangelização, com definição de diretrizes e planos de ação. A CNBB passa a organizar-se em caráter nacional a partir de comissões, conselhos e assessores. Cria-se a tradição anual de fazer análise de conjuntura e eleger temáticas que desafiam a ação evangelizadora da Igreja. Surge primeiro na região Nordeste, expandindo-se a seguir para todo o Brasil, a Campanha da Fraternidade, além da elaboração e publicação de estudos e documentos com o objetivo de formar e alimentar a consciência crítica eclesial.

A partir do final dos anos 60 e, sobretudo, nos anos seguintes, surgem e multiplicam-se pelo Brasil e demais países da América Latina as Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s)[2] e as Pastorais Sociais. Ao perceber a relação intrínseca entre fé e vida, divino e humano, céu e terra, projeto salvífico de Deus e transformação da sociedade, grupos de cristãos organizam-se enquanto comunidades de fé para mudar a realidade à luz do Evangelho e conquistar os anseios de dignidade cidadã. A partir da nova consciência cristã, como autêntico sinal dos tempos, surgem inúmeras associações, movimentos, cooperativas, sindicatos e até partidos políticos, no campo e na cidade, com bandeiras de reivindicações concretas. No mesmo dinamismo, surgem círculos bíblicos, grupos de fé e política, comissões, conselhos e pastorais sociais, tais como: Comissão Pastoral da Terra, Justiça e Paz, dos Direitos Humanos, Conselho Indigenista Missionário, do Índio, do Negro, da Mulher Marginalizada, da Juventude, do Menor, dos Povos da Rua, da Criança, do Migrante, da Saúde, Operária, Carcerária.

No bojo desse criativo movimento eclesial emerge inusitada teologia latino-americana, denominada “Teologia da Libertação”.[3] Essa reflexão de fé comprometida com a transformação da realidade fez história entre nós, tanto no meio católico, quanto no protestante. Marcou a formação de inúmeros teólogos e leigos, fecundou a consciência eclesial de parte significativa do episcopado, de padres, pastores, religiosos e agentes de pastoral de grande número de comunidades cristãs católicas da América Latina. Despertou o interesse de muitos cristãos de outros continentes, mas suscitou muitas críticas também. Provocou, por isso, o surgimento e/ou alimentou a caminhada de pastorais sociais, movimentos, grupos de fé e política, comunidades cristãs engajadas nas lutas populares e na promoção da democracia, da justiça e dos direitos humanos. Suscitou vasta produção teológica com rica publicação de livros, revistas, subsídios, cursos, vídeos, cartilhas, análises de conjuntura e assessorias teológicas e pastorais. Despertou a atenção e o interesse de incontáveis estudantes em suas pesquisas de mestrado e doutorado em todos os continentes. Provocou incontáveis ações evangelizadoras. Entre seus principais frutos destaca-se a solidificação na consciência eclesial de que a fé cristã tem implicações sociopolíticas e exigências incontornáveis de compromisso com a prática da justiça e a defesa da dignidade da vida. Fundamentou e renovou a dimensão sociopolítica na consciência eclesial latino-americana. Aguçou no Cristianismo em geral a necessidade de assumir a dimensão sociopolítica como dimensão constitutiva da fé cristã.

Nos últimos tempos desenvolveu, paulatinamente, vigorosa e fecunda sensibilidade e reflexão sobre as diversas questões ambientais no seio da vivencia da fé de muitos cristãos. Se na Teologia da Libertação os pobres ocupam a centralidade das preocupações, a Terra aparece como o grande pobre, ferido em sua dignidade. Merecem destaque, dentre outras temáticas: degradação ambiental, desmatamento e desertificação, extinção de espécies da fauna e da flora, poluição das águas e do ar, saneamento básico e tratamento de esgoto, consumismo, gestão de resíduos sólidos e coleta seletiva, exclusão social, necessidade e urgência em promover educação político-ambiental e desenvolvimento sustentável. Surgem movimentos, associações, fundações, ONG’s e partidos políticos em torno das causas ecológicas e compromissados com temáticas ambientais.

Com tudo isso, a porcentagem de cristãos capazes de perceber a vinculação entre a fé no Deus Criador e o cultivo do cuidado com a vida, infelizmente, revela-se menor que a daqueles que concebem a criação como realidade entregue antropocentricamente ao bel prazer do ser humano. A mentalidade religiosa resulta de longo processo de evangelização e coerência testemunhal. Na vida do cristão leigo, em que predomina a mentalidade religiosa sociopolítica e ecológica, observa-se aguçada e sintonizada sensibilidade para com as grandes questões sociais e ecológicas contemporâneas. Esses cristãos cultivam postura inquieta, pois percebem como vontade de Deus a transformação da realidade sociopolítica e ambiental. Essa lhes aparece como condição de possibilidade para a conquista da vida digna para todos.[4] Passam a desejá-la ardente e diariamente. Preocupa-lhes, no contexto atual, encontrar formas de promover o envolvimento e a mobilização da sociedade para as questões sociais. Percebe-se nos cristãos desse perfil aguda preocupação com as condições de vida do outro, sobretudo, dos empobrecidos, injustiçados e excluídos do sistema. Mostram-se assustados com a indiferença e a invisibilidade social dessas pessoas em nossa sociedade, majoritária e, contraditoriamente, cristã. Passam a habitar no horizonte de seus passos, as questões da desigualdade social; da condenação de tantas pessoas a viver em constante situação de miséria; da falta de políticas públicas eficazes capazes de garantir ou promover a dignidade humana; do acesso a saúde, educação, moradia, saneamento básico; da falta de oportunidades no mercado de trabalho para tantos jovens. Destacam-se, entre as fontes de indignação, a banalização da violência e o grau de corrupção generalizada nos diversos aspectos da vida em sociedade, especialmente no campo da política. Tais cristãos se preocupam, de modo especial, com o contratestemunho e/ou a omissão das instituições sociopolíticas, como também das instituições religiosas.

Na Arquidiocese de Belo Horizonte, nós reconhecemos a presença de grupos de cristãos leigos com a mentalidade religiosa predominante sociopolítica e ambiental. O Vicariato Episcopal para a Ação Social e Política congrega e confirma a existência de diversas pastorais sociais, de grupos de fé e política. Do mesmo modo, o Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp) vem desenvolvendo intenso trabalho de formação sociopolítica no seio da Igreja de Belo Horizonte. O Vicariato, o Nesp, as Pastorais sociais, os grupos de fé e política organizam, dentre outros, cursos, encontros, caminhadas, passeatas, protestos, abaixo-assinados, palestras, produção de livros, subsídios, projetos de pesquisa e assessorias. Em sintonia com a CNBB, organizam e participam da Campanha da Fraternidade, da Semana Social Brasileira e do Grito dos Excluídos.

O leigo com mentalidade sociopolítica e ecológica forma outro grupo minoritário na Arquidiocese de Belo Horizonte. Esse grupo fez-se presente de modo marcante nas diversas assembleias do Povo de Deus. Observa-se, no entanto, que na IV Assembleia do Povo de Deus arrefeceu a presença atuante de outrora, não obstante tenha ajudado a melhor explicitar a dimensão sociopolítica e ecológica nas diretrizes e planos regionais. Talvez seja reflexo da macroconjuntura eclesial que não mais favorecia, pelo menos como nos anos 70, 80 e 90, a explicitação e o crescimento dessa dimensão da fé cristã. Nas assembleias anteriores, por exemplo, esse grupo de cristãos propôs a ampliação dos grupos de fé e política, a criação do Nesp, do Vicariato específico e, sobretudo, ajudou a solidificar a inserção social como dimensão estruturante da ação evangelizadora da Arquidiocese. Inspirado pela prática de Jesus, ele deseja uma Igreja cada vez mais profética, comprometida sócio e politicamente com a defesa e promoção da dignidade humana. Além disso, uma Igreja consciente de seu papel de instância ética, educadora de mentalidades interdependentes e conscientes dos limites, promotora da transformação da realidade e da conquista do desenvolvimento sustentável.

 

Comentário teológico e pistas pastorais

A fé cristã nasce fundamentalmente da acolhida de um mistério: a percepção de que na vida de um homem, Jesus de Nazaré, Deus revelou-nos seu ser e o seu projeto salvífico universal. Isso significa que a pessoa de Jesus – o que fez e ensinou – oferece-nos acesso privilegiado, dá-nos visibilidade do “rosto de Deus”[5] e mostra-nos, sobretudo, o que significa concretizar  historicamente a vontade de Deus. Na busca de favorecer o encontro com Deus, a ação evangelizadora descobre na vida de Jesus, simultaneamente, o acesso e o conteúdo a ser transmitido.

Toda vida humana acontece de forma situada em determinado contexto epocal. As coordenadas geográficas e o contexto histórico revelam-se fundamentais para a realização e compreensão da vida de cada pessoa. Com Jesus de Nazaré, homem em tudo igual a nós,[6] não poderia ser diferente. Os Evangelhos não ocultam os detalhes da encarnação, nem as implicações sociopolíticas da vida de Jesus: varão, oriundo da tribo de Judá, carpinteiro, alguém que viveu circunscrito, principalmente, à região do Mar da Galileia, autêntico palestinense sedento de dignidade para seu povo. Viveu inserido em contexto social desigual e injusto, organizado por uma monarquia judaica insensível à situação do povo e dominada, politicamente, pelo poderoso Império Romano. A conivência das elites políticas e religiosas emerge visivelmente dos conflitos vividos por Jesus. Ele escuta os anseios de liberdade e o clamor por dignidade dos empobrecidos e excluídos do sistema. Ao confrontar essa situação sociocultural, política e religiosa iníqua, com a experiência libertadora da presença amorosa de Deus, Jesus se sente, então, interpelado e profeticamente chamado, como João Batista, a proclamar a chegada do Reino de Deus. Este é anunciado como boa nova de justiça e de vida plena para os pobres, acolhida e perdão para os pecadores arrependidos e, acima de tudo, como juízo e chamado à conversão radical para os poderosos e opressores. Ao denunciar a situação de injustiça sociopolítica e a cumplicidade religiosa a partir da experiência de Deus como Abbá querido, Jesus atraiu rapidamente admiradores e seguidores, mas também muitos influentes inimigos. Por tudo isso foi perseguido, traído, preso, julgado na calada da noite e condenado à pena de morte.[7]

Esta trágica experiência provocará nos seguidores, primeiramente, medo e desejo de fuga, mas, logo depois, oferecerá o critério maiúsculo de avaliação da fidelidade profética de Jesus em relação a Deus: ele foi fiel até as últimas consequências, amou-nos até o fim.[8] A experiência da Ressurreição e de Pentecostes produzirão impactos transformadores na vida deles. Muito mais do que simplesmente superar a situação de amedrontados e temerosos, os seguidores de Jesus retomarão confiantes o projeto da aliança com o Deus da vida, sempre estradeiro conosco. Por isso, eles acolhem a vida de Jesus como a expressão máxima de fidelidade humana a Deus, fonte de coragem e conversão para transformarem suas próprias vidas, como a do Mestre, em culto agradável a Deus. Ao fazer a memória dos feitos de Jesus, experimentam-se irmanados pela ternura e pelo vigor do Espírito do Senhor. Brota-lhes fortemente o desejo de anunciar para todos a beleza sacramental da vida de Jesus e formar comunidades que se esforcem diariamente para assumir o desafio de viver como ele: concretizar a vontade de Deus, comprometer-se com o Reino de Deus. Dessa experiência profunda nascerá propriamente a identidade cristã.

Mais que realidade simplesmente religiosa, a memória da vida de Jesus indica a seus seguidores que o Reino de Deus possui intrínsecas implicações sociopolíticas. Acolher a presença do Reino transforma a dinâmica cotidiana da vida humana pela experiência profunda da gratuidade do amor de Deus que nos envolve, sustenta e irmana.[9] Desse modo, o amor ao próximo revela-se culto agradável a Deus,[10] o que significa comprometer-se com a prática da compaixão, socialmente inclusiva e libertadora, e da convivência fraterna, pautada pela justiça, pelo direito e pela promoção do respeito à dignidade de cada pessoa. Tal projeto de Deus não é imposto a nós, ao contrário, implica adesão livre, passa pelo compromisso pessoal e sociopolítico em participar ativamente da transformação da realidade. Ora, na realidade humana amalgamam-se e integram-se, como não poderia de outra maneira acontecer, as dimensões pessoal, sociopolítica, econômica, ecológica e religiosa. Mostraram-se ingênuas, esquizofrênicas e ideologicamente alienantes as tentativas históricas de isolar ou mesmo separar a dimensão religiosa das demais dimensões da vida humana. A fé cristã, portanto, envolve e ilumina a totalidade da vida do cristão. Caso contrário, a vida cristã será assumida de modo parcial ou, o que é pior, deturpado e contraditório.

A revelação bíblica, os documentos do magistério da Igreja e do Concílio Vaticano II reconhecem, explicitam e definem as implicações sociopolíticas da fé cristã. Apontam a impossibilidade da fidelidade ao Evangelho sem o compromisso ético de transformação da realidade sociopolítica e ambiental. A dimensão sociopolítica da fé cristã suscitou a necessidade de elaboração da Doutrina Social da Igreja.[11] E hoje a gravidade e urgência postas pela situação de degradação ambiental causada pela ação humana clamam por maior explicitação das implicações ecológicas da fé cristã.

Na ação evangelizadora da Igreja cresce a consciência sociopolítica e ecológica, mas é preciso avançar muito mais. Não conseguirmos construir uma sociedade justa e ecologicamente sustentável nem nos países onde a maioria da população confessa-se cristã católica. A realidade de injustiça e exclusão social aliada a quase generalizada cultura que resulta em degradação ambiental indicam-nos déficit de educação ética socioambiental e falta de clareza em relação às exigências do agir cristão. Temos um longo e exigente trabalho de evangelização da cultura contemporânea.

Na caminhada da Arquidiocese de Belo Horizonte, observamos passos pequenos, mas significativos, sem deixar de reconhecer o vasto horizonte que temos pela frente. Nas Assembleias do Povo de Deus, quando se definem as diretrizes da ação evangelizadora e, a partir dessas, os planos regionais de pastoral, visualizamos avanços e muitos desafios pela frente. Os trabalhos, estudos, encontros e ações promovidos pelos Vicariatos Episcopais, PUC Minas, Nesp, Pastorais Sociais, Grupos de Fé e Política, ONGs, Congregações, movimentos e outras instituições cristãs parceiras que se fazem presentes nas regiões, foranias, paróquias e comunidades indicam muita coisa bonita acontecendo; embora devamos sempre nos perguntar em que medida a Igreja se constitui enquanto instituição relevante a serviço da vida plena para todos e quanto o fermento dos valores do Evangelho tem conseguido fermentar, marcar e transformar a realidade sociopolítica e ambiental nessa Igreja local. Os indicares sociopolíticos e ambientais mostram que estamos distantes do aceitável. Muitos cristãos, em nosso meio, configuram a vida cristã sem qualquer implicação ética, sociopolítica e ambiental. E ainda pior, há dentre estes alguns que são políticos, servidores públicos, empresários, religiosos envolvidos em esquemas de corrupção, utilização de mecanismos de exclusão social, violência e abusos de poder.

No entanto, há muitos sinais de esperança no ar. Dentre outros, merecem destaque as diretrizes da ação evangelizadora da Arquidiocese de Belo Horizonte que, em sintonia com o Evangelho de Jesus, confirmam a opção pelos pobres como sinal profético do Reino de Deus entre nós; a Igreja de Belo Horizonte, na pessoa do bispo auxiliar Dom Joaquim Mol, por meio de parceria entre a CNBB e entidades da sociedade civil, apresentou recentemente projeto ousado de reforma política contra a corrupção; muitos cristãos leigos participam e ajudam a concretizar parcerias, encontros, fóruns de discussão e manifestações contra a corrupção e a falta de políticas públicas adequadas e eficientes para a população; muitos jovens cristãos estavam diretamente envolvidos nas últimas manifestações sociais; por meio do trabalho desenvolvido pelo Vicariato para a Ação Social e Política e o Nesp, grupos de fé e política e pastorais sociais procuram organizar melhor sua atuação; as questões ecológicas e sociais, muitas vezes por pressão das comunidades cristãs, ainda que de modo ainda incipiente e pouco relevante para instaurar as mudanças necessárias, entram na pauta de discussões e projetos políticos; o serviço de assessoria que a PUC Minas e outras instituições cristãs vem desenvolvendo em diversas áreas sociais; um grupo de empresários cristãos preocupados com a transformação da realidade sociopolítica e ambiental.

No tocante à espiritualidade encarnada, as diretrizes apontam para o grande desafio de concretizarmos, de fato, a espiritualidade cristã na dinâmica da vida da comunidade de fé e no serviço aos sofredores, pobres e excluídos. Afirma que “para ser genuína, a experiência espiritual cristã deve conduzir à convivência fraterna, à solidariedade e ao diálogo, como valores evangélicos (…) conduzir e frutificar em boas obras, no cuidado com os pobres, e sendo presença na comunidade junto aos que sofrem.”[12] Urge, pois, transformar-se em Igreja servidora, feita de homens e mulheres capazes de ir ao encontro das pessoas e acolhê-las em nome de Cristo. Já a dimensão ecológica da espiritualidade cristã não foi explicitada de modo suficientemente claro, cabe, portanto, àqueles que já adquiriram esta consciência, ajudar os demais cristãos a não se olvidarem dela.

Para a renovação da vida comunitária, as diretrizes afirmam que a vida fraterna constitui o critério maior da qualidade da vida cristã. Esta não existe, de fato, sem a concretização de relações sociais pautadas pela solidariedade, partilha, justiça, respeito, perdão, cuidado e afeto. Não basta haver comunidades rituais e de louvor, pois esse reducionismo transformaria a vida cristã em teatro espiritual, ou pelo menos, em um conjunto de ritualismo desligado da vida concreta. Uma árvore que não produz frutos não pode ser considerada boa pelos critérios do Evangelho.[13] Importa cuidar da formação integral e de qualidade para todos, a partir de ampla estrutura ministerial, zelar pela participação corresponsável do leigo e da leiga e ter como prioridade comunitária o cuidado com a família e com os jovens.[14] Também aqui as diretrizes não fazem qualquer explicitação direta quanto à dimensão ecológica, mas ao definir a formação integral e de qualidade, ela está aí incluída. Como concretizar o cuidado com a família e a juventude sem cuidar da casa comum? Mais uma vez, cabe aos cristãos conscientes não deixá-la atrofiada na ação evangelizadora.

No nível da inserção social aparece com maior clareza a dimensão sociopolítica da ação evangelizadora, já que as diretrizes iniciam por definir o desejo de que a opção pelos pobres e excluídos seja assumido como nosso profético testemunho de fé, além de defini-la como expressão fundamental da espiritualidade cristã e do vigor da vida comunitária. Para que essa definição seja assumida, implica desenvolver sólida e sistemática formação do laicato na doutrina social da Igreja.[15] Em parceria com o Vicariato Episcopal para a Ação Evangelizadora, o Nesp tomou a iniciativa de oferecer um curso sobre a doutrina social da Igreja, mas ainda sem muita adesão e comprometimento por parte das foranias, paróquias e comunidades de fé. Também aqui não há explicitação direta da dimensão ecológica tão necessária na inserção sociopolítica da Igreja. Cabe aos cristãos com essa mentalidade cuidar de inclui-la tanto na hora de concretizar projetos sociais, quanto na busca de presença qualificada nos diversos meios de comunicação.

Edward Neves Monteiro de Barros Guimarães

P/ Equipe executiva do Observatório da Evangelização




[1] Sugerimos, a título de exemplo, três filmes, que explicitam a dimensão do compromisso sociopolítico e ambiental da fé com a defesa da vida, muitas vezes até as últimas consequências, como Jesus: Fé na Caminhada(1987), Romero (1989) e O anel de Tucun (1994).

[2] Há vasta bibliografia especializada, estudos, análises e teses sobre a origem, a novidade, a caminhada e os frutos das CEB’s e das Pastorais Sociais. Sugerimos ao leitor que desconhece a temática: COUTINHO, S. R. et ali, CEB’S e desafios do mundo contemporâneo, São Paulo: Paulus e Iser Assessoria, 2012; OLIVEIRA, P. R. de, “CEB: unidade estruturante da Igreja”, in BOFF, Clodovis et ali, As Comunidades de Base em questão, São Paulo: Paulinas, 1997; TEIXEIRA, F., A fé na Vida. Um Estudo Teológico-pastoral sobre a Experiência das Comunidades Eclesiais de Base, São Paulo: Loyola, 1987; id., A gênese das CEB’s. Elementos explicativos, São Paulo: Paulinas, 1988; BETTO, F., O que é Comunidade Eclesial de Base, São Paulo: Brasiliense, 1981.

[3] Muito já foi escrito sobre a Teologia da Libertação. Sugerimos ao leitor que desconhece a temática: TAMAYO J.J., Teologias da libertação, in: Dicionário de conceitos fundamentais do Cristianismo, São Paulo: Paulus, 1999; LIBANIO, J.B., Teologia da Libertação. Roteiro didático para um estudo, São Paulo: Loyola, 1987; GUTIÉRREZ, G., Teologia da Libertação. Perspectivas, São Paulo: Loyola, 2000; SEGUNDO, J.L., Libertação da Teologia, São Paulo: Loyola, 1978; BOFF, L. Jesus Cristo Libertador, Petrópolis: Vozes, 2003; SOBRINO, J., A Fé em Jesus Cristo: ensaio a partir das vítimas, Petrópolis: Vozes, 2001; BOFF, L. e BOFF, C. Como fazer Teologia da Libertação, Petrópolis:Vozes, 2005.

[4] Cf. Jo 10, 10.

[5] Cf. Cl 1, 15; Hb 1, 1-3.

[6] Cf. Hb 2, 11-12.17; 4, 15.

[7] Para melhor conhecer a trajetória histórica de Jesus de Nazaré indicamos: PAGOLA, A. Jesus. Aproximação histórica, Petrópolis: Vozes, 2010; MESTERS, C., Com Jesus na contramão, São Paulo: Paulinas, 1995.

[8] Cf. Jo 13, 1; Fl 2, 6-8.

[9] Cf. Mc 1, 15; Mt, 6, 33.

[10] Cf. Lc 10, 25-37; 15, 11-32; Mt 25, 31-46.

[11] Sobre a doutrina social da Igreja sugerimos: Pontifício Conselho Justiça e Paz, Compêndio da Doutrina Social da Igreja, São Paulo: Edições Paulinas, 2009; KEENAN, James  (organizador), Ética teológica católica no contexto mundial, Aparecida: Editora Santuário, 2010; CNBB: Temas de Doutrina Social da Igreja, São Paulo: Paulinas e Paulus, (Cadernos 1, 2 e 3), 2004-2006.

[12] Cf. DAE-ABH, nº 23-25.

[13] Cf. Mt 7, 17-21; DAE-ABH, nº 26.

[14] Cf. DAE-ABH, nº 27-28.

[15] Cf. DAE-ABH, nº 29