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Paróquia Bem Aventurada Dulce dos Pobres: Ponderações: Semente em Terra Boa

Segregação ou valorização?

A leitura do texto sobre a Paróquia Bem-Aventurada Dulce dos Pobres nos chama a atenção em alguns aspectos. Dentre estes podemos destacar o se descobrir como povo capaz de caminhar com os próprios pés e de buscar a sua autonomia em relação às paróquias que lhe deram origem. O interessante nesse processo foi a transição de uma rede de comunidades de distintas paróquias em direção à formação de uma nova paróquia.

Essa transição nos faz lembrar uma mãe que incentiva o filho (ou seriam os filhos?) a caminhar, a princípio amparando-o, alimentando-o para que possa crescer, e, com o passar do tempo, deixando-o livre para entregá-lo ao mundo, ciente de que este filho é capaz de se manter e que possui a capacidade de se desenvolver ainda mais.

Um segundo aspecto interessante a ser salientado é a criação do vínculo afetivo criado entre os padres e a paróquia. O povo brasileiro gosta da afetividade e da presença de seu pastor. A visita de um padre a um doente, por exemplo, é um ato significativo e bastante valorizado pelas pessoas.  Além disso, os padres moram no aglomerado e, sobretudo, em casas semelhantes às dos paroquianos. Tais particularidades demonstram uma identificação com o lugar, denotam um pertencimento à vida do local no qual está localizada a paróquia.

Outra particularidade observada foi que, apesar da paróquia ser formada por uma população de um perfil específico, esta enfrenta um problema comum a outras paróquias de diferentes realidades: poucos jovens e também poucos homens estão envolvidos na vida paroquial. Em sua grande maioria, são as mulheres que participam da vida comunitária.

Além dos aspectos observados, lançamos um questionamento. Sabe-se que, de maneira geral, nas áreas onde estão localizadas as vilas e favelas, a presença daqueles que se declaram católicos é inferior a outras áreas que apresentam um melhor perfil socioeconômico. Por sua vez, nessas mesmas áreas, outras religiões se destacam, especialmente, os evangélicos das mais variadas denominações. Atribuir ao percentual de católicos o indicador de sucesso ou de fracasso na ação evangelizadora de um lugar seria reducionismo. Entretanto, esse percentual indica que, nessas áreas, a igreja deveria lançar um olhar especial.  Seria, então, a criação de paróquias que agreguem somente áreas de aglomerados, uma solução para esta necessidade de um cuidar específico? E ainda, essa criação de paróquias em vilas e favelas seria segregação ou valorização daquele lugar?



(Izabella Faria de Carvalho: Geógrafa e analista de sistemas, doutora em Geografia e coordenadora do Cegipar/PUC Minas - Centro de Geoprocessamento de Informações e Pesquisas Pastorais e Religiosas.)







Um sonho que se realiza



Refletindo sobre a criação da Paróquia Bem Aventurada Dulce dos Pobres, vejo uma Igreja em missão, empenhada na busca de concretizar ali ações evangelizadoras urgentes, necessárias e transformadoras. Segundo o censo de 2010, esta área era a maior favela da capital mineira, com quarenta mil habitantes.

O agir da Igreja é chamado pelo Evangelho a ser pautado pela prática da compaixão, da acolhida fraterna e do amor ao próximo, de modo a promover a dignidade e a autonomia das pessoas. Para isso é necessário, antes de tudo, que todos os envolvidos na missão deixem-se transformar e procurem encarnar, de modo criativo, a prática libertadora de Jesus de Nazaré. 

A fase de preparação para a criação da paróquia foi longa. Buscou-se responder à necessidade de um novo modo de ser Igreja que tivesse a identidade daquele povo. A caminhada que está sendo concretizada na paróquia está permitindo fazer a passagem de uma igreja dependente, que vivia de doações e era vista, muitas vezes, como coitada, para uma Igreja viva, povo de Deus a caminho. Consolida-se uma rede de comunidades formada por pessoas que compartilham a mesma fé, que acreditam em si mesmas e na própria capacidade de somar forças, superar desafios e organizar-se enquanto Igreja. Uma Igreja que se fortalece pela celebração da fé, na oração, na partilha de vida, no estudo da Palavra e que se percebe protagonista de sua história. A experiência do amor de Deus, o encontro com o Senhor Ressuscitado e a força do Espírito Santo lhe faz acreditar no milagre da comunhão e da partilha dos dons e serviços na comunidade. A vida cristã procura se traduzir na busca de concretização do amor fraterno e solidário entre as pessoas e no cuidado com a comunidade.

A Igreja é chamada a ser a voz libertadora e profética do povo de Deus no Aglomerado da Serra, com uma presença que transforma realidades contrárias ao Evangelho e que promove nova convivência social. Isto ocorrerá na medida em que aprofunde a sua relação com os problemas e a vida da comunidade, o que exige muita dedicação, reflexão e conversão. Sabe-se dos grandes desafios do Aglomerado, contudo, reconhecemos que as pessoas que ali residem são portadoras dos mesmos direitos e deveres que todos os demais cidadãos, sendo pobres ou ricos. 

Não deveria existir separação sociopolítica, cultural e religiosa entre pobres e ricos, contudo, esta dicotomia é criada pelo próprio do homem e, portanto, outra realidade é possível. Vivemos distantes do ideal. Sonhamos com um mundo novo, fraterno e solidário, mas este desejo fica mais distante quando falta amor recíproco e verdadeiro entre as pessoas. O grande legado da fé cristã é o amor que aproxima as pessoas, que transcende as fraquezas humanas e nos faz dar passos em prol dos irmãos.

A chegada de uma nova paróquia no Aglomerado da Serra traz vida nova, esperança que não morre, mas que se atualiza. A presença da Igreja no Aglomerado simboliza a presença viva e libertadora de Jesus. É o novo que renova. Para tanto, a Igreja deve assumir a causa daquele povo, ensinar-lhe a Palavra de Deus e sua missão profética, orientá-lo e acompanhá-lo na missão. Amar a Deus é servir aos irmãos. E a Igreja, cada vez mais serva e discípula, seguirá o mandado de Jesus, amando e servindo seu próximo.

Por último, vale a pena destacar dentre diversos aspectos positivos, dois passos que foram dados na criação da paróquia Bem-Aventurada Dulce dos Pobres: Primeiro, a fase de transição, com todo o processo de aproximação e construção da identidade, a partir de uma causa comum, das comunidades cristãs católicas ali já existentes. Segundo, a presença viva, fraterna e solidária dos presbíteros, morando na paróquia, gerando laços de comunhão fraterna e amizade. Para as comunidades isto é fonte de autoconfiança na caminhada e de encorajamento de seus membros.  

Se vivemos hoje num tempo do descartável e da banalização da vida humana, o grande desafio da ação evangelizadora da Igreja é colocar-se a serviço: anunciar e testemunhar a boa nova do Reino, promover a vida em comunidades de fé e partilha, encher o belo horizonte de esperança, crer que o amor vence o ódio, a violência e a indiferença e que a justiça transforma a desigualdade e a exclusão. O caminho é longo, contudo, a obra é de Deus e ele está no meio de nós com seu Filho Jesus na força do Espírito Santo. 

(Carlos Alberto Borges, Filósofo, Teólogo, especialista em Estudos Ambientais. Trabalha no Cegipar/PUC Minas).